- ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ… BICHA!
Não foi uma vez, nem duas ou três. Em praticamente todos os tiros de meta cobrados por Rogério Ceni no clássico do Pacaembu, os torcedores corinthianos, ou pelo menos boa parte deles, praticaram atos de homofobia explícita nas arquibancadas. E não foi só contra o camisa 1: praticamente todos os cantos das arquibancadas tiveram sua letra trocada, como no caso de “Vamos Corinthians / Dessas bichas / Teremos que ganhar”.
Como diria o meme, tá pouco de escrotidão nas arquibancadas, manda mais. Dias depois de jogador e juiz sendo chamados de macaco, sob condenação geral, uma outra ferida aberta do preconceito é tocada sem dó, em rede nacional de TV, e tratada com silêncio absoluto e ensurdecedor pela imprensa.
“Você está exagerando. Não é homofobia se o Rogério não é gay”, alguém vai dizer. “É só brincadeira, provocação de estádio”, “Sempre foi assim”, “Racismo é muito diferente de homofobia”, “Você tá falando só porque é a torcida do Corinthians, se fosse o Palmeiras não falaria nada”, “Você nunca chamou são-paulino de bambi?”
Não, eu não estou exagerando. Claro que há diferença do que aconteceu no Pacaembu em relação aos casos de racismo ocorridos na semana passada. Estes foram direcionados – a Arouca e ao juiz – enquanto aqueles foram difusos, voltados a ofendidos que não se enquadram na ofensa. Mas a discussão aqui não é sobre tipificar o crime, nem sobre quem faz ou ouve a suposta ofensa, mas sobre a ofensa em si.
A questão para mim é: milhares de pessoas, numa tarde de domingo, não se importaram em dizer ao Brasil todo, via satélite, que consideram que alguém pode ser pior, digno de xingamento, por sua suposta identidade sexual. Como se o Brasil já não permitisse a união civil homossexual, como se a parada GLBT não fosse um dos maiores programas turísticos de São Paulo, como se vivêssemos na Idade Média. Como se maus costumes não pudessem ser modificados.
Sim, eu já chamei são-paulino de bambi, mas não chamo mais, como não chamo corinthiano ou flamenguista de favelado ou coisa do gênero, assim como larguei de acompanhar muito palmeirense nas redes sociais por piadinhas homofóbicas e preconceituosas. Faz parte da minha tentativa de ser uma pessoa melhor, um ser humano mais tolerante com quem é diferente de mim. Mais ou menos o mesmo princípio que faz Márcio Chagas se resolver e levar a denúncia adiante, em nome de seu filho.
Não se trata de reduzir a importância do combate ao racismo, mas de juntar a ela uma questão a mais sobre tolerância. Que tipo de sociedade queremos construir e deixar para nossos filhos? Que tipo de convivência teremos com quem pensa diferente da gente? Não é porque “sempre foi assim” que não pode deixar de ser. Já passou da hora de deixar de ser assim, de julgar alguém pela cor da pele ou pelo que faz entre quatro paredes e que não tem a menor diferença no desempenho esportivo. E de achar que isso é “natural”, “estratégia pra irritar adversário”, “coisa de estádio”. Pode ter sido assim até um tempo atrás. Não é mais.
Os Robbie Rogers escondidos nos armários dos vestiários brasileiros agradecem.