Devia ter uns cinco anos. A liberdade vadia da rua me tentava naquela tarde de domingo e eu pinicando todo na roupa nova. Minha matutice ainda se acostumava com o ar-condicionado e o chão escorregadio na inauguração do primeiro shopping de Maceió quando vi aquela mulher de vestido azul royal com ombreira e cabelo armado à la Hebe levitando andar acima. De onde vinham os degraus que surgiam sob seus pés? Para onde iam? Quem os controlava? Deus, diabo ou o Dengue do Xou da Xuxa?
Duas décadas e meia depois, ainda guardo certa reverência à escada rolante. Afinal, como bom torcedor do CRB, sei bem o quanto é difícil subir.
Ainda mais depois que vim morar em São Paulo. Primeira lição que o vivente aprende por aqui é como andar de escada rolante. Nada de ficar lesando, aguardando a tecnologia fazer seu papel e te levar andar acima ou abaixo. Na pauliceia desvairada tem sempre alguém mais apressado que você.
De início, achei descabido. Se não consigo esperar nem uma escada rolante, fudeu maria preá. Por uma questão de honra e por respeito aos meus cinco anos que não voltam mais, me comprometi a nunca cair naquela sandice. Corram aí pela esquerda que eu vou curtir meu passeio.
Mas a carne é fraca e o instinto de sobrevivência um Marquês de Sade mais sorrateiro que desembargador do STJD. Quando eu menos percebi, estava correndo pelas escadas, calçadas e marginais da cidade pra não perder a conexão do metrô, a sessão de cinema, o início do jogo, o trabalho, a esposa e toda e qualquer chance de tornar a vida mais suportável.
Não adiantou.
Se o tempo não sossega nem pro Mick, não vai ser por mim que ele vai esperar. Último sábado, por exemplo, desembarquei na estação República às 18:14, exatos setenta e quatro minutos atrasado para o segundo ato contra a copa do mundo em São Paulo. Corri feito jumento desmamado, desviando de blocos de carnavais, moradores de rua e viaturas da PM, até encontrar a passeata na esquina da Xavier de Toledo com a Sete de Abril.
Ainda recuperava o fôlego quando policiais entraram de supetão à base de cacetadas e bombas de gás lacrimogêneo no meio da marcha, separando-a em duas e isolando um grupo no meio, bem no estilo Caldeirão de Hamburgo.
Tudo aconteceu a poucos metros de onde estava. Alguns segundos à frente e seria eu no caldeirão com os 262 estudantes, jornalistas e professores detidos. Aleatório e irracional como uma roleta russa.
Estádios atrasados, operários mortos, tropa ninja da polícia, batman do leblon, lei antiterror e Felipão convocando Fred, Jô e Júlio Cesar. Tô panguando tanto que voltei a deixar a esquerda livre nas escadas rolantes. Quem sabe assim pego o bonde da história na próxima baldeação.